Contee lança documento nacional contra pressão irresponsável por retorno às aulas presenciais

O Portal da Contee traz abaixo documento nacional elaborado pelo consultor jurídico da Confederação, José Geraldo de Santana Oliveira, denunciando a pressão irresponsável de empresários do ensino e governos pelo retorno às aulas presenciais sem que a pandemia da Covid-19 esteja sob controle, o que coloca em risco a saúde de trabalhadores, estudantes, familiares e de toda a comunidade. O documento ainda orienta os sindicatos a tomarem todas as medidas administrativas e judiciais necessárias com vistas à proteção do direito à saúde:

Em conformidade com os dados divulgados pelo Ministério da Saúde nos últimos 60 dias, o número diário de mortes pela Covid-19 é superior a mil; em 22 de maio, eram 21.048; no dia 23 de julho, mais de 83 mil.

E mais: dos 26 estados e o Distrito Federal, somente sete (AM, RR, AL, CE, PI, RN e SE), apresentam queda de contaminação e de mortes; 11 encontram-se estáveis (PR, ES, MG, RJ, SP, DF, MT, RO, BA, MA e PE); e nove em curva ascendente (RS, SC, MS, TO, PB, GO, AC, AP e PA).

Esses dados estarrecedores comprovam que o invisível vírus da Covid-19 continua letal e a desafiar as autoridades políticas e sanitárias brasileiras e, portanto, longe de ser controlado. Até agora, não há vacina nem remédio capaz de controlá-lo.

O isolamento social mantém-se na condição de medida mais eficaz na prevenção de sua disseminação. Segundo todas as autoridades médicas que respeitam a vida como o bem mais precioso do ser humano, sem o isolamento social, os números seriam muito mais catastróficos.

Em meio a esse cenário dantesco, cresce em proporção descomunal a desarrazoada e unilateral pressão de empresários do ensino pela retomada imediata das atividades pedagógicas/acadêmicas presenciais, providencialmente suspensas desde meados de março. Fazem-no em clara contraposição dos interesses meramente econômicos à preservação da incolumidade física e mental e do bem-estar dos profissionais da educação (professores e administrativos), estudantes, pais, mães e da comunidade que os circunda.

Essa sanha, com previsíveis deletérias consequências, passa ao largo daqueles sobre os quais recairão os seus nefastos efeitos: professores, administrativos, estudantes, pais e mães, que nem sequer são ouvidos sobre a conveniência ou não de comentada retomada de atividades presenciais.

Ninguém mais do que os profissionais de educação, estudantes, pais e mães anseia pela volta à normalidade presencial das atividades pedagógicas/acadêmicas, sem a qual não há aprendizagem e diálogo social profícuos. Sua substituição por atividades remotas improvisadas, como acontece desde meados de março último, deve-se, única e exclusivamente, à imperiosa e inadiável necessidade de se efetivar o isolamento social.

As atividades remotas, além da improvisação quase generalizada, excluem aqueles que não dispõem de ferramentas adequadas de tecnologia de comunicação e informação, triste realidade patente em escolas públicas e na esmagadora maioria de escolas particulares de médio e pequeno porte, com irreparáveis prejuízos para a educação cidadã. Por meio delas, tudo é distante: a aula, o convívio, o diálogo, e, principalmente, a aprendizagem.

Todavia, essa imperiosa necessidade, em nenhuma hipótese, pode se concretizar com a periclitação da vida, que é incontestável nessa quadra de total descontrole da pandemia. Os prejuízos pedagógicos decorrentes da prolongada suspensão das atividades presenciais, com programa de reforço efetivo, poderão ser recuperados. Porém, eventual vida ceifada pelo açodamento de mencionado retorno jamais será devolvida.

Os que abraçam essa inoportuna tese — mais apropriado seria abjeta —, na condição de gestores educacionais — portanto, responsáveis pelo primeiro dos direitos fundamentais sociais —, deveriam espelhar-se no compromisso social, no bom senso e no empenho em defesa da incolumidade da saúde dos eleitores demonstrados pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, na exitosa busca pelo adiamento das eleições municipais, designadas para o dia 5 de outubro próximo vindouro.

Insistir nessa tese neste momento grave, além de inegável desprezo pela vida dos que integram a comunidade escolar, ou é aposta na impunidade, ou é falta de conhecimento da responsabilidade a que se obrigarão, o que é o menos provável.

À luz do que preconizam os Arts. 186, 187, 422 e 927 do Código Civil (CC), e o 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), será objetiva — que depende só do ato ilícito — a responsabilidade do estabelecimento de ensino que retomar as atividades pedagógicas/acadêmicas presenciais antes do total controle da pandemia do coronavírus.

Essa responsabilidade alcança professores, administrativos, estudantes, pais, mães e demais integrantes diretos da comunidade escolar quanto a eventuais danos provocados à sua saúde física, mental e ao bem-estar, abrangendo eventuais internações e/ou o pior dos cenários: morte.

Os citados dispositivos legais assim dispõem:

Código Civil:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

CLT:

“Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”.

Acresça-se aos dispositivos legais em destaque a recente decisão do STF, tomada em sede de liminar, nas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 6342, 6343, 6344 e 6346 e outras, afastando, por inconstitucionalidade, o Art. 29 da Medida Provisória (MP) 927 — que se caducou aos 20 de julho corrente —, que, em absoluto desprezo aos direitos dos trabalhadores, excluía do rol das doenças do trabalho a contaminação por coronavírus (“Art. 29 – Os casos de contaminação pelo coronavírus (Covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal)”.

Essa decisão do STF resgata o direito à manutenção do contrato de trabalho por 12 meses após o término do auxílio-doença, assegurado pela Lei N. 8213/1991, Art. 118, aos trabalhadores que sofrerem acidente de trabalho, no qual se incluem as doenças ocupacionais, como coronavírus.

É bem de ver-se que a discutida responsabilidade não se dissipa mediante eventual parecer de autoridades responsáveis pela saúde, considerando possível a retomada das atividades presenciais.

Primeiro, porque tal parecer não traz, por absoluta impossibilidade, selo de garantia da incolumidade física e mental de todos quantos forem chamados a participar das destacadas atividades.

Segundo, porque nenhum estabelecimento de ensino terá condições de demonstrar fiel cumprimento de protocolos de segurança, que fundamentarão comentados pareceres.

Terceiro, porque a realçada retomada de atividades presenciais, em meio à pandemia, ainda que escudada em parecer técnico emitido por autoridade pública, não se revestirá da condição de determinação do Poder Público, o chamado fato príncipe. Parecer desse jaez, na melhor das hipóteses, cingir-se-á à condição de possibilidade, desde que cumprido à risca protocolo de biossegurança, e não de determinação.

Destarte, o estabelecimento que negligenciar a letalidade da pandemia com a retomada de suas atividades presenciais, assumirá integralmente todos os riscos que dela advierem.

Ante essa nefasta perspectiva de agravamento da pandemia do coronavírus, por incontestável abuso de direito de empresários de ensino, a Contee orienta os sindicatos a ela filiados, que, em cumprimento ao que preconiza o Art. 8º, inciso III, da Constituição Federal — ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas —, que adotem todas as medidas administrativas e judiciais com vistas à proteção do direito à incolumidade física e mental de seus representados (professores e administrativos), propondo-se a delas participar como litisconsorte ativo.

Frise-se que muitos sindicatos já tomaram as primeiras medidas judiciais com essa finalidade.

Brasília, 23 de julho de 2020.

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee