Apenas frentes de trabalho com mais de dez pessoas terão direito a banheiro se for aprovada a proposta dos empregadores na comissão que rediscute normas do trabalho rural. Ou seja, grupos menores teriam que, obrigatoriamente, fazer as suas necessidades fisiológicas no mato. A coluna teve acesso a documento produzido pela comissão tripartite, formada por governo, trabalhadores e empregadores, que está discutindo mudanças na Norma Regulamentadora 31.
Nele, aparece a proposta de que “ficam isentas das exigências do item 31.17.5 e subitens as frentes de trabalho com até dez trabalhadores”. Esse item prevê instalações sanitárias e locais para refeição e descanso em frentes de trabalho no campo. Antes, havia consenso entre as três representações de que devem ser disponibilizados banheiros com vaso e lavatórios na proporção de um até 40 pessoas, dois até 80 e assim por diante.
Empregadores reclamam que não faz sentido disponibilizar sanitário para um vaqueiro apenas, por exemplo. Trabalhadores retrucam, lembrando que é comum pequenas turmas limparem pastos distante das sedes das fazendas e que deixá-los sem atendimento nenhum é muito grave. “Querem que os trabalhadores rurais voltem a fazer cocô no mato, não há outra forma de dizer. É um absurdo que o direito só valha para frentes de trabalho com mais de dez trabalhadores. É negar a condição de ser humano. Quero saber o que os importadores da produção agrícola brasileira vão achar disso tudo”, afirma Gabriel Bezerra Santos, presidente da Confederação dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais.
A discussão da revisão da NR-31 vinha acontecendo normalmente desde dezembro, segundo ele. “Fomos surpreendidos com a informação de que a Frente Parlamentar da Agricultura estava insatisfeita e iria interferir no processo. E a pior proposta foi essa”, afirma. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) negou participação. “A responsabilidade do texto e das posições é da bancada empresarial, conforme composição da Comissão Tripartite Paritária Permanente. Considerado isto, a FPA não participa da comissão para apresentar propostas para a NR-31, tampouco tenha feito tal sugestão”, afirmou.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) ainda não retornou o pedido de posicionamento feito por e-mail e telefone. Ele será publicado assim que recebido. Pelo que a reportagem apurou junto ao governo federal, o poder público também não declarou apoio à alteração.
Dois representantes de grandes empresas do setor agrícola, que conversaram com a coluna em condição de anonimato, afirmaram que veem com preocupação a proposta. Para eles, a mudança reduz parâmetros exigidos dos fornecedores para a garantia de produtos com qualidade social.
O governo Jair Bolsonaro vem promovendo uma reforma em todo o conjunto de normas regulamentadoras que tratam de temas que vão da segurança no uso de maquinário até a competência da fiscalização para interditar obras em caso de falta de segurança.
Proteção ao trabalhador rural
O procurador Italvar Medina, vice-coordenador nacional de erradicação do trabalho escravo do Ministério Público do Trabalho, explica que a NR-31 estabelece condições mínimas de conforto, higiene, saúde e segurança em frentes de trabalho no campo.
Ele afirma que os empregadores devem viabilizar condições mínimas nesses locais, o que pode ser feito através de banheiros químicos, abrigos para chuvas, local apropriado para refeições e garantia de água potável. “Dessa forma, os trabalhadores não precisam satisfazer suas necessidades fisiológicas no meio do mato ou comer em locais sem higiene”, afirma.
O procurador diz que há também o descumprimento desses itens em casos de trabalho análogo ao de escravo. Não significa, contudo, que a ocorrência deles é suficiente para caracterizar essa forma de exploração. Aliados a uma série de outros fatores, ajudam a configurar condições degradantes, um dos elementos do trabalho escravo. “Ou seja, respeitar a NR-31 é uma forma de prevenir a escravidão contemporânea.”.
Blog do Sakamoto-UOL