Em tempos de polarização brutal da política e questionamentos feitos a todo momento acerca da veracidade da História (sic) se faz sempre necessário rememorá-la e buscar ressaltar momentos importantes do passado do Brasil, país com ricos momentos de luta, de construção de um Estado de Direito completo, laico, com três poderes e muitas peculiaridades que refletem as contendas entres as várias classes sociais que compõem essa grande nação.
Ao final do Estado Novo varguista veio o processo de uma Assembleia Constituinte para elaborar uma nova Carta Magna, a nossa quinta, e reestabelecer os direitos vilipendiados pela chamada “polaca” de Getúlio Vargas.
Fruto de nosso novo momento do brotar da democracia, o Partido Comunista do Brasil – PCB elege a maior bancada de sua história: 15 deputados federais e 1 senador da República (Luís Carlos Prestes). Entre os vários parlamentares eleitos figurava o baiano Jorge Amado – eleito pelo estado de São Paulo – que viria a se tornar um nome de referência internacional de nossa literatura.
Em sua experiência pessoal, como frequentador de cultos afro-brasileiros desde sua juventude, assistiu à ação violenta da polícia para dispersar e combater (numa clara afronta ao Estado laico que já figurava na Lei desde o princípio da República) todavia qualquer culto religioso que não fosse Católico Apostólico Romano. Mesmo que se tratasse de outro culto cristão, era tratado na repressão e na violência policial.
Dai surgiu a emenda nº 3.218 de Liberdade de Culto Religioso, de autoria individual do deputado Jorge Amado (PCB/SP). Habilidoso que era, foi em busca do apoio de parlamentares do PSD e da UDN. Primeiro conquistou para a ideia o baiano Luiz Viana Filho, escritor como ele e em seguida Gilberto Freire, sensibilizando o parlamentar pernambucano com a liberdade que viria aos xangôs do Recife da época.
A emenda 3218 foi aprovada e se tornou o artigo 141, parágrafo 7º da Constituição de 1946. Com isso o deputado comunista garantia a proteção efetiva do Estado a todos os que quisessem proferir a sua fé.
Em seu livro de memórias Navegação de Cabotagem, Jorge Amado nos transmite a emoção do parlamentar em cada uma das palavras transcritas após a aprovação da emenda: “Essa a minha contribuição para a Constituição Democrática de 1946. Transformada em artigo de lei a emenda funcionou, a perseguição aos protestantes, a violação de seus templos, das tendas espíritas, a violência contra o candomblé e a umbanda tornaram-se coisas do passado. Para algo serviu minha eleição, a pena de cadeia que cumpri no Palácio Tiradentes (…)“.
Hoje a perseguição aos cultos de origem africana ressurgiu em tempos de ideias neofascistas transitando em setores da sociedade no Brasil. Vale lembrar que durante toda a década de 30 do século XX, Getúlio Vargas chegou a ser simpatizante das ideias de Adolf Hitler, a quem chamava de “grande e bom amigo”, tendo inclusive entregue Olga Benário Prestes aos nazistas como gesto de “boa-fé” entre as nações. Só em 1942 nosso país se aliaria aos Estados Unidos, Inglaterra e União Soviética e declararia guerra ao nazismo alemão.
Naquela época pululavam por aqui ideias integralistas, de matiz nazifascista, representadas na Ação Integralista Brasileira – AIB, capitaneada pelo escritor e jornalista Plínio Salgado. A AIB seria um real antepassado do ponto de vista programático do que está proposto nos documentos do novo partido político Aliança pelo Brasil (B38) que atualmente se tenta fundar.
Por isso tudo, você evangélico, protestante, umbandista, cristão, entenda: um comunista garantiu sua liberdade de fé e a proteção do Estado à mesma. Somos todos partes da mesma nação, construída da maneira mais plural, laica e democrática possível, fruto de lutas e de negociações materializadas no texto de lei entre os mais variados setores sociais. Não se deixe enganar, somos todos irmãos e irmãs. Abrace um comunista!