Glaydiane Ferreira, 35, foi uma das primeiras a chegar, na quinta-feira passada, ao Instituto Amigos da Periferia, uma ONG no conjunto Jorge Quintella, bairro do Benedito Bentes, em Maceió. Assim como outras famílias, ela está cadastrada na instituição e recebe semanalmente doações de ossos de boi e peles de frango, vindas de açougues do mercado público da capital alagoana.
Ela vive apenas da renda do Auxílio Brasil e do programa Cria, do governo estadual. Dá cerca de R$ 550, ao todo. Glaydiane mora com o marido e mais três filhos e não se lembra de quando conseguiu comprar carne para cozinhar para a família.
“Hoje é tudo mais difícil. Com esse governo, a gente tem de comer osso e pele doado ou passa fome mesmo. No passado, a gente comia carne, mas hoje não tem como comprar, com os preços em que estão”, diz Glaydiane Ferreira, 35.
Ela conta que usa a ossada para dar corpo à sopa ou ao feijão do dia a dia. Já a pele serve de proteína para alimentação.
Erick dos Santos, 19, também foi à ONG pegar os alimentos doados. Ele mora com a avó e o marido dela. Vai ao instituto para buscar as doações para sua casa e a de uma tia que mora ao lado. “Isso aqui dura uma semana, são poucas pessoas”, diz ele, mostrando duas sacolas cheias de ossos e peles.
Tem sido assim desde a pandemia
Vânia Gato é a atual secretária e foi quem fundou o instituto, há três anos. Ela conta que as doações de ossos e pele começaram em 2020, logo após a chegada da pandemia no país. Foi quando ela percebeu que as famílias da comunidade estavam com mais dificuldades financeiras. O instituto tem 22 voluntários e atende cerca de 350 famílias do Benedito Bentes, em especial do conjunto Jorge Quintella, onde fica a associação. Ela diz que se acostumou a ver o número de pedidos de socorro explodir nos últimos meses, com o agravamento da fome.
O material é arrecadado no mercado público de Maceió, onde açougues doam ossadas e peles que seriam descartadas ou vendidas por preços baixos no local. “Vamos lá sempre e contamos com essa ajuda. Tem uns [açougues] que dão, outros negam. Mas sempre voltamos com algo para doar”, diz.
Não há dia certo para as doações. Quando chegam os alimentos, ela avisa às famílias. Elas rapidamente chegam à sede da entidade e levam os produtos em sacolas de plástico.
Na comunidade, o botijão de 13 kg de gás de cozinha não custa menos do que R$ 99. Apesar de ajudar tantas famílias, a entidade não recebe nenhuma ajuda do poder público e conta apenas com a doação da prefeitura comunitária do bairro do Benedito Bentes.
Pobreza e miséria explodem no país
Ao longo dos últimos meses, diferentes pesquisas têm revelado que a pobreza e a fome alcançaram patamares inéditos para o país no século. Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, feito pela Rede Penssan e divulgado no começo de junho, 33,1 milhões de brasileiros vivem em situação de fome no país.
Já segundo o relatório “O Estado de Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo”, lançado na quarta-feira passada pela ONU (Organização das Nações Unidas), a fome aumentou no Brasil: de 37,5 milhões de pessoas para 61,3 milhões entre 2019 e 2021. Em Alagoas, onde está a ONG que distribui ossos e pele, existem 500,2 mil famílias inscritas em maio no Cadastro Único em extrema pobreza (ou seja, com renda per capita de até R$ 105).
O representante da ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU) no Brasil, Rafael Zavala, afirma que o país deixou de priorizar o combate à fome em nível nacional nos últimos anos, levando a uma “cifra assustadora” de insegurança alimentar em todo o seu território. No país, o número de famílias em extrema pobreza chegou ao maior patamar da história do Cadastro Único, superando o total de beneficiários inscritas no Auxílio Brasil (programa que substituiu o Bolsa Família).
Fonte: UOL