Programa de cisternas está abandonado, denuncia Articulação do Semiárido

São Paulo – Levantamento da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) mostra que, em 2019, cerca de 350 mil famílias brasileiras ainda aguardavam cisternas para consumo humano de água. Outras 800 mil aguardam acesso à água para produzir seus alimentos. O Programa de Cisternas, de 2003, foi um grande passo para reduzir o problema. Entretanto, o cenário atual daquela política pública é de abandono.

Desde 2003, cerca de 1,3 milhão de cisternas foram construídas pelo programa, o que promoveu o abastecimento de água a 5 milhões de brasileiros especialmente da região Nordeste. Entretanto, nos últimos anos o programa vem literalmente secando. Os recursos destinados aos projetos neste ano foi o mais baixo desde sua criação, R$ 50,7 milhões. Em 2014, ano da reeleição da presidenta Dilma Rousseff (PT), foram R$ 643 milhões.

Entretanto, o problema é maior, denuncia o biólogo e coordenador da ASA em Pernambuco, Alexandre Henrique Pires. “Lamentavelmente, nada do valor destinado ao programa foi executado no ano de 2020”, afirma.

Alexandre diz que o cenário deste ano está pior também pela não utilização dos recursos, mesmo estando previstos no Orçamento da União. Para o ativista, a cada ano que passa, desde o golpe que destituiu Dilma Roussef, o desmonte avança. “A quantidade de cisternas construídas em 2019, e o valor destinado, foram semelhantes ao ano de 2004, segundo ano do programa. Isso mostra que existe uma redução da atenção do Estado. No momento há uma desestruturação dos programas sociais no Brasil. Isso desde 2016”, disse.

Auxílio emergencial

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 735/2020. A matéria, que pode ser votada ainda nesta semana, prevê auxílio emergencial para agricultores familiares em isolamento em razão da pandemia de covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus. O respiro é bem-vindo, mas não substitui uma atenção especial e urgente sobre a questão da água.

O deputado José Silva (SD-MG), relator do projeto, entende que o programa de cisternas é matéria orçamentária, e não execução. “De fato, existe o recurso destinado dentro do orçamento da União para o programa. Mas entendemos que o tema poderia ser apresentado de forma a contemplar melhor a implementação do programa”, disse Alexandre, sobre uma expectativa de que o PL poderia pressionar o governo federal positivamente.

A conexão entre auxílio emergencial para agricultores e a questão das cisternas para garantir acesso à água é clara e urgente, em tempos de risco de contágio pelo coronavírus. “Mesmo após o fim da pandemia, teremos o vírus circulando. É preciso que a população tenha condições de ter água para cumprir a higiene necessária no processo de evitar a contaminação”, explica o biólogo.

“Passando a boiada”

Mas o cenário não poderia ser mais desfavorável, analisa. “O momento é de desestruturação. Seja pela ‘reforma’ trabalhista, pela reforma da Previdência, que atende muito da população rural do semiárido, uma vez que na região 50% das propriedades são da agricultura familiar. Então, o conjunto de políticas de perdas e desestruturação, acaba afetando de forma direta essa população.”

É um conjunto de ações, que também inclui o PL do Saneamento, que prevê a possibilidade da privatização da distribuição de água. “É lamentável que estejamos vivendo esse momento de muita dificuldade em torno de um tema tão importante para a vida que é o acesso à água. Especialmente em um contexto de crise sanitária. Estamos sob riscos gigantescos. A fala do ministro do Meio Ambiente, (Ricardo) Salles, de aproveitar a pandemia para passar a boiada é lamentável. A aprovação do PL do Saneamento faz parte da boiada”, finaliza Alexandre.

Edição: Fábio M. Michel