Como está a vida de quem trabalha no campo para abastecer as mesas brasileiras?

Por Marcos Aurélio Ruy

Desde 1964, o Brasil comemora o Dia do Trabalhador e da Trabalhadora Rural, em 25 de maio, porque essa data marca o falecimento de Fernando Ferrari, em 1963, destacado político em favor de quem trabalha no campo.

Neste ano, os 17,3 milhões de trabalhadores e trabalhadoras do campo, segundo o Censo Agropecuário 2017, além das dificuldades costumeiras, enfrentam as dificuldades impostas pela pandemia do novo coronavírus.

“Os maiores problemas do momento são as dificuldades de acesso a créditos, políticas públicas de um modo geral e o escoamento da produção”, afirma Vânia Marques Pinto, secretária de Políticas Sociais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

“Assim como na cidade temos trabalhadoras e trabalhadores de todo tipo no campo. Desde aquele que comercializa até aqueles que beneficiam seus produtos”. O Censo Agropecuário 2017, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta a existência de 5.072.152 estabelecimentos agropecuários no Brasil, em uma área total de 350.253.329 hectares.

O levantamento mostra ainda ter havido uma diminuição de 1,5 milhão de empregos no campo em comparação com o censo de 2006. Ao mesmo tempo em que houve maior concentração de propriedades, em 2%. Em 2006, haviam 5,17 milhões de unidades e em 2017 caiu para 5,07 milhões.

Nos últimos anos cresceu a participação da agricultura familiar, responsável por mais de 70% da produção de alimentos. “Com a pandemia, cresce ainda mais a importância deste setor, tornando-se uma atividade essencial para a sociedade”, explica Sérgio de Miranda, secretário de Finanças da CTB, e agricultor familiar.

“Os supermercados precisam continuar abertos para garantir o abastecimento da população, porém para que os alimentos cheguem à mesa do consumidor, precisam antes passar pelas mãos dos agricultores familiares, que mesmo diante de tantas dificuldades, da falta de apoio governamental, continuam produzindo os alimentos necessários para a população”, reforça.

Carlos Joel da Silva, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), descreve com precisão as dificuldades enfrentadas por quem trabalha no campo.

“Enfrentamos muitas dificuldades no Rio Grande do Sul por dois motivos. A estiagem causadora de grandes prejuízos aos agricultores que perderam parte ou a totalidade de sua renda e também os efeitos drásticos da pandemia do coronavírus”.

Ele afirma que “há muita dificuldade de comercialização, principalmente entre as cadeias curtas, os hortifrútis e granjeiros porque as feiras grandes estão impedidas de funcionar e as menores têm muitas dificuldades”. Mesmo “a venda de porta em porta está difícil. Os produtores estão se reinventando para tentar sobreviver a este período e retomar o mais breve possível a sua produção e recuperar sua renda”.

Já Lenir Piloneto Fanton, da diretoria plena da CTB nacional e da CTB-RS, assinala os tempos difíceis para a agricultura familiar desde 2016 com os governos implantando o modelo neoliberal no país.

“Agricultoras e agricultores familiares vivem à mercê dos valores praticados pelo mercado, muitas vezes não pagam o custo da produção e obrigam os pequenos produtores a se virar para comercializar melhor seus produtos”, diz. E também, “estamos perdendo financiamentos com os cortes feitos por Bolsonaro nos investimentos da agricultura familiar”.

Como acentua o presidente da Fetag-RS, os efeitos da estiagem e do coronavírus causaram “perdas de 40%, 50%, 60% até 80% e os créditos não têm chegado aos produtores”. Quem produz frango, suínos e leite está perdendo muito. No caso do frango e suínos, os frigoríficos vêm sendo interditados por causa da contaminação de trabalhadores e com isso “os produtores ficam mais tempo com esses animais, aumentando os gastos e perdendo renda”.

No caso do leite ocorre a mesma coisa. “A estiagem diminuiu a produção e os produtores estão ficando sem pastagem com as dificuldades de comercialização”, diz Carlos. Além disso, apesar do “leite ter aumentado nas prateleiras dos supermercados, os produtores estão recebendo os mesmos valores do ano passado”. Ele reclama da falta de créditos para a superação deste momento.

De acordo com Vânia, que também é secretária-geral da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado da Bahia (Fetag-BA), “o vírus chegou ao campo, em algumas cidades com o índice bem alto de contaminação porque muitas pessoas dos grandes centros, principalmente de São Paulo, estão retornando para suas origens, mesmo com os bloqueios rodoviários, muitos ônibus clandestinos chegam nas pequenas cidades”.

Isso aponta para o crescimento de dificuldades e “muitas trabalhadoras e trabalhadores do campo ficam na dependência do auxílio emergencial de R$ 600 a R$ 1.200, aprovados pelo Congresso, mas o desgoverno Jair Bolsonaro dificulta o pagamento”, assinala Maria Aires Oliveira Nascimento, secretária-adjunta da Mulher Trabalhadora da CTB e dirigente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Sergipe (Fetase).

Para ela, “o custo da produção de agricultores familiares é mais alto do que o dos grandes produtores porque temos menos recursos e por isso, precisamos de políticas públicas e investimentos do Estado para favorecer o escoamento de nossa produção”.

Sérgio reafirma a necessidade do auxílio emergencial, mas “infelizmente a falta de sensibilidade e de consideração com os agricultores familiares, produtores de alimentos, levou o presidente Bolsonaro a vetar esta ajuda que seria extremamente importante e necessária para a manutenção destas famílias, neste tempo de pandemia”.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) vem cobrando intensamente medidas do governo federal e governadores estaduais para amenizar os problemas. “Algumas foram aprovadas, outras anunciadas, mas a maioria ainda não está sendo operacionalizada”, diz Aristides Santos, presidente da Contag, à jornalista da entidade, Verônica Tozzi.

Por isso, “neste dia, aproveitamos para cobrar dos gestores municipais, estaduais e federais atenção à situação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, que exercem papel fundamental no país. A produção de alimentos é importante e deve ser uma estratégia de Nação”, sinaliza Aristides.

Então, o Dia Do Trabalhador e da Trabalhadora Rural se transforma em uma “importante data para destacarmos a importância dos pequenos e médios produtores, maioria absoluta no campo, para a produção de alimentos saudáveis para a mesa das brasileiras e brasileiros”, conclui Vânia.