Coronavírus: vivendo numa cidade-fantasma Texto de uma patoense em Roma

Após novo coronavírus se alastrar por todo território italiano, entenda como está o cenário de um dos destinos turísticos mais importantes do mundo: Roma.

Mirticeli Medeiros*

Roma está deserta. Quem diria que nos arredores do cartão postal da cidade, o coliseu, quase ninguém posaria sequer para uma selfie. A cidade, cujo centro histórico é considerado patrimônio mundial pela Unesco, de repente parou. Sem turistas, alguns proprietários de restaurantes, mesmo antes da decisão do governo italiano de fechar o comércio, anunciada na última quarta-feira (11), já suspendiam suas atividades por falta de clientes.

Ao sair de casa, devemos carregar conosco uma declaração na qual atestamos que o destino é trabalho, supermercado ou farmácia, mesmo que façamos o percurso à pé. Caso o motivo não se enquadre nessas categorias, consideradas “necessidades primárias”, multa de até 206 euros. Não podemos ir visitar um amigo, nem promover uma festa de aniversário, por exemplo. As medidas fazem parte do decreto Io resto a casa – Eu fico em casa – que, no decorrer da semana, ampliou gradualmente as medidas para conter a proliferação da doença.

Quando aulas, eventos públicos e até missas foram suspensas no norte do país – a região que registra o maior número de infectados –, começamos a notar que a situação era mais séria do que imaginávamos. Dias depois, toda a Itália passou a ser considerada “zona vermelha”, classificação que impôs ao resto dos país as restrições já aplicadas nos locais que formam o epicentro da pandemia. As pessoas foram impedidas de transitar entre as regiões sem uma justificativa séria, além de serem orientadas a sair de casa somente se necessário.

E foi assim que Roma, de um dia para o outro, transformou-se numa uma cidade-fantasma digna de filme. Entre as pessoas, trancadas em suas casas, cresce a incerteza em relação aos dados divulgados pela secretaria da saúde da região Lazio, aparentemente uma das menos atingidas pela doença até agora. Na dúvida, além do uso de máscaras e luvas, os romanos passaram a evitar transportes públicos e passeios. Nada de abraços e apertos de mão. A frieza necessária para enfrentar uma batalha que, pelo jeito, está só começando.

Os monumentos romanos, iluminados pelo sol que anuncia a chegada da primavera, irradiam sua beleza na solidão e no silêncio jamais vistos. Crise generalizada, envolta por um medo não só do vírus devastador e desconhecido, mas do amanhã. Não se sabe, ao certo, quando tudo isso irá acabar. Ou se sistema sanitário italiano irá suportar o aumento exponencial de casos que exigem terapia intensiva. É difícil saber se não seremos os próximos a contrair o vírus ou se o nosso vizinho, a quem cumprimentávamos todas as manhãs, tem um sistema imunológico forte o suficiente para aguentar a doença. Estamos prostrados e sem respostas.

Papa Francisco, “engaiolado” no Vaticano, como ele mesmo fez questão de frisar, está exilado dentro de seu pequeno estado. Aos 83 anos, ele faz parte daquele grupo de risco que deve se precaver em dobro. Suas missas e audiências, transmitidas ao vivo pela televisão e pela internet, geram aquela incerteza em relação a quanto nós poderemos vê-lo novamente. Estamos distantes e unidos. Calados e agitados. Esperançosos e perdidos. Um misto de sentimentos e reações. Estamos esperando que se derrubem as barreiras levantadas por esse monstro intruso. “Fiquem em casa para que vocês possam se abraçar de novo”, disse o premier italiano, Giuseppe Conte. E temos lutado para ter esse abraço de volta, para termos a certeza de que tudo ficará bem. Roma, cidade eterna, queremos te abraçar de novo. Até breve.

*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras

Não nego a gravidade da situação, que me deixa bastante perplexa aqui na Itália. Justamente por isso, não questiono nenhuma das medidas tomadas pelo governo, inclusive a suspensão das missas públicas por parte dos bispos italianos.

 Peço perdão aos religiosamente mais sensíveis: mas foi necessário. São 15 mil contágios registrados, com uma média de 2 mil novos casos por dia. (Não compare a situação às vividas no período das pestes medievais. Sabemos que, para o homem medieval, religião era a medicina).

Quem está aqui, presenciando tudo isso, é favorável a essas restrições. A Igreja, que diz defender o homem em toda a sua dignidade, não poderia deixar de fazer sua parte. Porém, um dado passa despercebido pela maioria das pessoas.

 Há uma diferença entre morrer COM coronavirus e DE coronavírus. A grande maioria é do grupo do “COM”. Talvez isso ajude a conter um pouco do pânico. É doença letal para pessoas vulneráveis, com doenças preexistentes.

Se questione sobre isso. E apesar da apreensão de estar, nesse momento, presa dentro de casa sem poder sair há 5 dias, com aquela sensação de que pode acontecer com qualquer um de nós – ainda que na forma mais leve -, lanço essa reflexão. Não pare na primeira coisa que você lê. Se aprofunde, confronte varias opiniões e mantenha a calma.

 Estou em um dos epicentros desse novo vírus e acredito que sairemos dessa em breve. Rezo pelos doentes e por todos aqueles que, tomados pelo desespero, perderam a esperança.

 Amém.